Entrevista para a Assessoria de Imprensa da Arquidiocese de Campinas Sobre Pessoas em Situação de Rua e Drogas


As drogas e os moradores de rua
O frio bate no corpo. A solidão anseia por uma companhia. A palavra se cala e o sono se perde. Acorrentados pelo vício das drogas, sejam elas licitas ou ilícitas, moradores de rua as usam frequentemente para saciar a sede de humanidade.
Longe da família, sem grandes amigos e muitas vezes distantes desse mundo, moradores de rua tem acesso fácil as drogas. Os efeitos refletem no corpo, e somados a má e pouca alimentação causam danos, muitas vezes, irreparáveis.
Em conversa com o psicólogo clínico social formado pela PUC-Campinas, Leonardo Duart Bastos, algumas características da relação dos moradores de rua com as drogas nos é apresentado.
Leonardo trabalha na Cáritas Arquidiocesana de Campinas, no Projeto da Casa António Fernando dos Santos. Uma casa transitória para pessoas que estavam em situação de rua e estão procurando o resgate da cidadania e a reinserção social. Entre outras atividades, Leonardo desenvolve trabalhos na área sócio-educativa do Centro de Orientação a Criança e Adolescentes de Campinas (COMEC); e, atende em consultório como psicólogo clínico de adultos, casais e famílias. Também participa do Fórum Municipal de Álcool e outras Drogas.
Assessoria: Quem são os moradores de rua?
Leonardo:
São pessoas que em algum momento de suas vidas sofreram um rompimento de seus vínculos afetivos e familiares e não encontrando uma estrutura seja interna, psicológica, ou uma rede social que os amparassem, acabam ficando em situação de rua.
Esse rompimento se dá por vários fatores entre eles: problema psiquiátrico, vivencia de situações traumáticas, falecimento dos cuidadores e em grande parte por conta do uso de drogas.
São pessoas na maioria das vezes vindas das classes mais baixas da sociedade, mas encontramos também pessoas de Famílias da Classe B e A.
Segundo a pesquisa nacional feita com a população em situação de rua são 03 os motivos mais freqüentes que os levam à rua:  alcoolismo e/ou drogas 35,5%; desemprego 35,5%; desavenças familiares 29,1%.
Ass.: Há características em comum das pessoas que vivem nas ruas?
L.:
Eu diria que a característica comum das pessoas em situação de rua é esse momento de rompimento em suas historias e a falta de uma rede de apoio. Quando digo rede de apoio, não falo só das ações do poder público, mas de uma rede de apoio social, familiar que seja saudável e resistente o suficiente para oferecer suporte e dar amparo. Nesse sentido a Igreja tem um importante papel, pois estando na comunidade, ela forma uma rede bastante complexa que une famílias, comunidade e sociedade civil organizada.
A maioria  das pessoas em situação de rua são homens em idade produtiva. Alguns possuem transtornos psiquiátricos e tem famílias na cidade, outros vieram de outras cidades e não possuem mais contatos com a família embora muitas vezes estas estejam à procura da pessoa. Muitos fazem uso de drogas, principalmente o álcool, que na maioria das vezes é utilizado para livrar a pessoa em situação de rua da sensação de frio, do medo da noite, das angustias e depressões causadas pela sua situação de rua.
Varias pessoas que estão em situação de rua querem voltar para o mercado de trabalho, ter família, casa etc. Contudo encontram grande dificuldade de se restabelecer e de conseguir um emprego, pois não se encontram em condições de se apresentarem para o mercado de trabalho. A vergonha da própria situação lhes impede até mesmo de procurarem ajuda, pois temem os olhares reprovadores das pessoas que poderiam lhes ajudar. É muito difícil manter uma auto-estima suficiente para encarar a pessoas de igual para igual quando se está em situação de rua.
Ass.: Quais as drogas que essas pessoas chamadas de "moradores de rua" tem mais contato? As licitas ou ilícitas?
L.:
O álcool é a principal droga presente não só nas ruas como na comunidade em geral. Mas o uso de crack vem se tornando muito freqüente principalmente entre os moradores em situação de rua. O  acesso a essa droga a noite, pelas ruas da cidade é muito fácil. Isso se torna ainda mais complicado considerando seu poder de criar dependência.
Ass.:
Que motivos levam os moradores de rua à busca das drogas? L.:
Minha experiência tem mostrado que não é só a falta de informação e muitas vezes nem mesmo só a dependência fisiológica da droga a principal razão que leva ao uso ou a manutenção dele. Mas sim um vazio de significado para a própria vida, um buraco existencial que os impele a fuga e a busca por algo que lhes faça dar sentido estar vivo. Quando a família não existe mais para essas pessoas, quando os vínculos de amizade são extremamente frágeis e artificiais e principalmente quando são excluídas da sociedade e da vivencia social elas não conseguem ver outra saída que não a alienação que a droga lhes produz.
Quando oferecemos a elas um espaço protegido, uma vida em comunidade e um espaço onde elas podem refletir sua condição de vida, o uso de drogas diminui de forma mágica. Não estou dizendo em somente dar uma casa, uma república ou mandar de volta para família. Pois quando se vive muito tempo na rua, as pessoas desaprendem a viver em comunidade, a cuidar de uma casa a criar e manter amigos ou a ter um relacionamento familiar saudável. É preciso que elas possam ter uma assistência psicológica e social nesta fase de transição que lhes dê segurança e que lhes faça resgatar o repertorio de comportamentos que são necessários a vida em comunidade. E é isso que a Cáritas faz na *Casa Antonio Fernando dos Santos.
Ass.: Esses moradores de rua conseguem largar a dependência?
L.:
Existem casos de pessoas que mesmo em situação de rua conseguem largar a droga e se manter abstêmio por um longo período. Mas são raros. Na maioria das vezes a sua situação de exclusão social serve a manutenção da dependência química que lhes é refugio.
Ass.: Moradores de rua não mantém uma alimentação saudável. Isso ligado ao fato do uso de drogas (licitas e ilícitas) ocasiona males ainda maiores que os já conhecidos?
L.:
Isso é verdade. A alimentação deficitária torna os efeitos da droga ainda mais devastadores, o principal deles é o prejuízo neurológico que pode levar a demência, ao aparecimento de transtornos mentais tais como a esquizofrenia ou outras psicoses.
Ass.:
Moradores de rua têm a quem recorrer para pedir ajuda?
L.:
No momento Campinas, através da sua Secretaria Municipal de Cidadania, assistência e Inclusão Social está criando seu Plano Municipal de Atenção a Pessoa em Situação de Rua. Isso é um passo muito importante para a Cidade.
Atualmente Campinas tem o SARES, Serviço de Atendimento e Referenciamento Social que trabalha com abordagem de rua, atendimento no local e o SAMIM, Serviço de Atendimento ao Migrante, Itinerante e Mendicante de Campinas que oferece abrigo e serviço de albergue além de atendimento psico-social. Também existem os trabalhos de ONGs como a Cáritas que além da Casa António Fernando dos Santos, oferece um espaço de convivência, reflexão, cuidados com a higiene, oficinas de geração de renda e atendimento psico-social que é a Casa Amigos de São Francisco e a Casa de Apoio Santa Clara.
A Casa Antonio Fernando dos Santos atende somente com referenciamento do SAMIM, SARES e Casa Amigos de São Francisco.
Ass.: A prefeitura realiza trabalhos na questão das drogas em Campinas?
L.:
Campinas possui dois CAPS-AD, Centro de Atenção Psico-social especializado em álcool e outras Drogas, além de equipes em Unidades de Saúde capacitadas para lidar com a questão. Esses serviços se reúnem no fórum Municipal de álcool e outras Drogas onde a assistência Social também tem um importante papel, na discussão de casos, estabelecimento de fluxo de serviços e referenciamento.
Ass.: Se tivesse que deixar um alerta sobre o tema "as drogas e as ruas", o que diria?
L.:
As drogas podem aliviar as dores de estar na rua, mas infelizmente acorrenta a pessoa lá. Mas essas não são correntes inquebráveis assim como não é o direto do ser humano de ser respeitado.

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